Rendimento esportivo:
o que a nanotecnologia tem a ver com isto?
Data: 02 de abril de 2021.
Autores: Marya Luísa Damasceno Oliveira, Maiara Santos Sales, Ana Paula Bernardo dos Santos e Lívia Tenório Cerqueira Crespo.
Ilustradora: Marya Luísa Damasceno Oliveira..
Revisora: Lucineide Lima de Paulo.
Assim como tudo no universo, os esportes estão em constante variação, sempre em busca de novas técnicas e estratégias para auxiliar a performance dos atletas. Nessa perspectiva, a nanotecnologia tem sido uma grande aliada para essas atividades. Esses upgrades têm sido feitos em roupas, aparelhos/equipamentos e estão presentes em esportes aquáticos e terrestres.
Para que as novidades surjam, empresas desenvolvedoras de materiais esportivos realizam grandes investimentos e montam verdadeiros polos de pesquisas e testes. Há anos, especialistas têm a natureza como referência para novas tecnologias. Um exemplo disso são as roupas impermeáveis e que não sujam, criadas a partir da observação das flores de lótus. As folhas dessa planta possuem a habilidade de se manterem limpas, mesmo se cultivadas em áreas com lama ou lagos. Isso ocorre devido a uma película cerosa nanoestruturada que repele a água. Dessa maneira, as gotículas de água, ao passarem pela superfície da planta, rolam, e consigo levam embora toda a sujeita
Figura 1: Flor de Lótus em seu habitat natural / Efeito da água nas folhas da flor de lótus
Fonte: Pixabay / Wikipédia
Seguindo esse princípio do efeito Lótus, a empresa Speedo criou um maiô de natação diferenciado, o Fast Skin. A peça foi elaborada a partir de uma malha sintética de poliamida e elastano, apresentando nanossulcos em forma de “V” com 115 nm (nanômetros) de comprimento e 52 nm de diâmetro em sua base, que ficam localizados na superfície exterior do tecido. Tais sulcos encanam a água para fora, facilitando o deslizamento do competidor e fornecendo uma vantagem hidrodinâmica se comparada à pele humana.
Figura 2: Representação dos nanossulcos.
Fonte: Canaltech
Figura 3: Efeito Lótus em tecidos
Fonte: Canaltech
Este produto de alta performance foi usado por atletas nas Olimpíadas de Sydney de 2000, sendo considerado o principal responsável pela quebra de aproximadamente 15 recordes mundiais na competição. Devido a essa explosão de quebra de recordes, levantaram-se discussões a respeito das condições desiguais entre os participantes. Em função disso, a Federação Internacional de Natação, nesse período, considerou esses resultados como “doping tecnológico”, proibindo o uso da vestimenta. Contudo, nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, a mesma Federação voltou atrás em sua decisão e autorizou o uso do maiô com parâmetros e restrições bem definidas.
Figura 4: LZR racer, SPEEDO
Fonte: Época
Tratando agora dos esportes terrestres, uma aplicação envolvendo a nanotecnologia, já citada anteriormente em nossas publicações, é utilizada com outra finalidade. Os nanotubos de carbono (NTC) constituem as fibras de carbono que, por sua vez, são misturadas a uma resina – sendo a resina epóxi mais comum; e isso é a base que compõe as bicicletas de alta performance.
Figura 5: Nanotubo de Carbono.
Fonte: Brasil Escola
Os NTCs, por serem uma nanoestrutura, apresentam notáveis propriedades mecânicas, sendo resistentes à fraturas sob tração, mostrando-se 100 vezes mais resistente que o aço com apenas ⅙ de sua densidade. Logo, quando ocorre a combinação polímero + resina, existe um aumento de 40% de tensão elástica e 25% de resistência à tração.
Essas qualidades, juntamente com a modelagem de fabricação, onde a bicicleta é construída por inteiro e não por soldagem das partes, tornam tais veículos ultraleves e, consequentemente, mais velozes. Outra característica dessas bicicletas é a maior liberdade de modelagem. Isto possibilita a absorção de maior parte do impacto, diminuindo a trepidação, melhorando a direção, conforto e segurança.
Figura 6: Carbon Plasma, SCOTT.
Fonte: The Carbon Experts.
Ainda abordando impacto e segurança, há os capacetes utilizados no futebol americano. Os profissionais desse esporte apresentam grandes chances de sofrer danos cerebrais permanentes em consequência das repetidas concussões – na maioria das vezes, os traumas sofridos passam despercebidos pelos técnicos e até mesmo pelos médicos.
Devido a isso, foi criado um capacete que conta com sensores que mapeiam a direção e principalmente a magnitude do impacto. Dentro do capacete, existem dois tipos de nanossensores: o sísmico, que é responsável pelos choques e perturbações, e o elástico, que captura as deformações e as transmite a um microssistema óptico.
Tal microssistema é composto por nanofibras ópticas de nanotubos de carbono. Seus nanossensores, que são feitos da mesma nanoestrutura, estão ligados a uma fibra dupla através da qual irão transmitir e receber os dados. Estes, quando incorporados a um nanoconversor óptico, enviam informações em forma de códigos. Após a detecção dos sensores, a fibra encontra um coletor de dados, que une todas as averiguações para o microtransmissor que é, por sua vez, responsável por enviá-las até um aparelho celular, tablet ou computador.
Com essas informações em mãos, é possível tratar os competidores precocemente, evitando que muitos deles sofram com os danos irreversíveis ou, posteriormente, venham a óbito ainda muito jovens.
Figura 7: Capacete com sensores.
Fonte:G1
Outro esporte que também é beneficiado pela nanotecnologia é o tênis. Nessa modalidade, já se podem encontrar bolas com o núcleo revestido de nanocompósitos poliméricos – uma combinação de um polímero com um composto inorgânico sintético ou natural. Desenvolvido pela empresa Orbys, o Imbrik é um nanocompósito de látex com argila nanométrica que confere à bolinha amarela maior resistência, fazendo com que o ar se mantenha dentro dela por mais tempo. O processo de fabricação deste nanocompósito se dá pela desestruturação do grão de argila, cujas lâminas superpostas (em escala nanométrica) em formato de lâminas superpostas, que são separadas e misturadas ao látex (polímero) – Figura 8.
Figura 8: Nanocompósito de argila e plástico
Fonte: Adaptado de PAIVA; MORALES; GUIMARAES, 2006.
O benefício de ter o Imbrik na composição de bolas de tênis é que o material possui uma maior tensão de ruptura, além de maior resistência à flexão e a esforços sem sofrer deformação, ou seja, aguenta mais o impacto com a raquete e a deformidade sofrida no momento do impacto sem se romper definitivamente (Figura 9).
Figura 9: Deformação da bola de tênis no jogo.
Fonte: Anatoly Antipin.
Outra característica do Imbrik é a sua propriedade de barreira, que aumenta sua impermeabilidade a gases em até 90%. Essa propriedade aumenta a vida útil das bolas, pois mantém o ar dentro delas, fazendo com que quiquem mais durante as partidas (figura 10).
Figura 10 - Fluxo do ar em bola de tênis normal / Fluxo do ar em bola de tênis com camada de nanocompósitos.
Fonte: Gong (2013), adaptado por Rafael Sampaio.
Com todos os benefícios que essa bolinha de tênis pode trazer ao jogo, é de se esperar mais emoção numa partida em que não só a bola, mas também as raquetes fossem contempladas com a nanotecnologia. Felizmente, a empresa Dunlop utiliza aerogel e M-Fill em suas raquetes.
O aerogel é um nanomaterial composto por sílica gel que passa por um processo em que se substitui a parte líquida por gases. Esse processo faz com que aerogel seja reconhecido com um dos materiais menos densos e mais leves que existem. Sendo considerado bastante resistente, ele aguenta 4 mil vezes mais o seu peso e é um excelente isolante térmico.
Figura 11 - Aerogel.
Fonte: Pplware.
Em relação a essa última característica, ela pode trazer bastante benefício às raquetes de tênis, visto que o calor excessivo pode afetar a sua integridade, chegando a fazer com que se quebre, ou seja, ter em sua composição um material resistente ao calor só traz benefícios ao objeto. Ainda sobre as propriedades do aerogel, ele pode beneficiar a raquete quando, em uma partida, entre uma jogada e outra, no momento de impacto entre bola e raquete, a primeira fica muitas vezes mais pesada que seu peso real, sendo assim, a raquete precisa aguentar todo o peso da bola rebatida.
A combinação do aerogel com o M-Fill, um sistema de multifilamentos composto por fibras de carbono metal e vidro confere um maior desempenho dos atletas na partida, lhe conferindo maior equilíbrio e um domínio da raquete na hora da rebatida, além de permitir a absorção maior do impacto e oferecer maior tempo de contato com a bola. Essa combinação é encontrada nas raquetes aerogel Hundred da empresa Dunlop.
Figura 12 - Raquete Dunlop Aerogel
Fonte: Tennis Express
Com todos esses upgrades realizados em maiôs da natação, bicicletas do ciclismo, capacetes do futebol americano, bolas e raquetes de tênis, podemos ter excelentes performances dos atletas em seus respectivos jogos, sejam eles profissionais ou amadores. Assim, podemos ver como a nanotecnologia nos ajuda na prática dos esportes – mas não seria incrível praticar um simples exercício e obter algum benefício nanotecnológico, como o carregamento do seu celular? Pois isso já é possível. Aguarde a próxima Nanocuriosidade para saber mais.
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