Como os fulerenos podem ajudar a nossa saúde?
Data: 30 de outubro de 2020.
Autores: Davi de Pontes Sousa, Dayenne Braz Corrêa da Silva, Ana Paula Bernardo dos Santos e Lívia Tenório Cerqueira Crespo.
Ilustradora: Marya Luísa Damasceno Oliveira.
Revisora: Lucineide Lima de Paulo
Você já ouviu falar sobre os fulerenos?
Até o ano de 1985, o mundo só tinha conhecimento de 3 formas cristalinas do carbono, sendo elas o grafite, o diamante, e o carbono amorfo. Foi nesse mesmo ano que os cientistas Harold Walter Kroto e Richard Errett Smalley, após realizarem uma série de pesquisas com raio laser em grafite, observaram que um dos produtos apresentava uma maior concentração dentre os demais e destacava-se por possuir uma geometria até então desconhecida. Mais tarde, essa molécula foi nomeada como Fulereno e sua descoberta rendeu a esse grupo de cientistas o prêmio Nobel de química em 1996.
Fulerenos são formas alotrópicas de carbono, assim como diamante, grafite, grafeno e os nanotubos de carbono. Ele é o terceiro alótropo mais estável, perdendo apenas para o diamante e o grafite. O termo químico alótropo se refere às estruturas compostas por um único elemento, que tem uma única diferença: sua configuração espacial. Esses tipos de alótropos do carbono representam um dos nanomateriais mais analisados atualmente por conta de suas diversas possíveis aplicações nas áreas médica e tecnológica.
Dentre os tipos de fulerenos existentes, os mais conhecidos são moléculas que possuem 60 átomos de carbono, e por isso são representados como C60: elas interagem entre si por meio de ligações duplas e simples, com geometria semelhante à de uma bola de futebol (Figura 1).
Figura 1: Representação da semelhança entre a geometria do fulereno (a) e uma bola de futebol (b)
Fonte: Exacta, vol.10 (2012)
Como podemos ver também na figura 2, os fulerenos têm, em sua estrutura, uma espécie de rede formada por pentágonos e hexágonos. Sendo assim, podemos perceber que cada carbono de um fulereno forma ligações sigmas (simples) com outros três átomos de carbono.
Figura 2: Representação esquemática 2D do fulereno C60
Fonte: Laís Sales Porto (2017).
Devido às suas propriedades mecânicas, estruturais e de transporte diferenciadas, os fulerenos têm sido aplicados na síntese de nanocarreadores de fármacos, biossensores, plásticos resistentes, blindagem eletromagnética, microscópios de varredura por sonda, fibras resistentes, além de outras utilidades na área médica e nas indústrias aeroespacial, de computação e de eletrônicos. A intercalação de metais alcalinos com moléculas de C60 pode gerar materiais supercondutores.
Na área médica, devido a sua alta atividade antioxidante, ele tem sido usado como componente de filtros solares. Esse uso se justifica porque a radiação ultravioleta A (UVA) gera espécies reativas de oxigênio, que têm um efeito biológico nas células da pele humana, levando a danos ou morte celular. O fulereno e seus derivados, especialmente os solúveis em água, inibem a formação de radicais livres gerados pelo estresse oxidativo nas células devido à exposição ao Sol (figura 3). Como exemplo, já vêm sendo comercializados, no mercado internacional, cosméticos com o Radical Sponge®, que possui a capacidade de penetrar profundamente na epiderme (camada mais superficial da pele, em contato com o ambiente), permitindo a prevenção de lesões cutâneas por raios UV e envelhecimento da pele, sem fotossensibilização e citotoxicidade, ou seja, não apresenta comportamento nocivo em relação às células.
Evidências de estudos clínicos
Eliminação de radicais livres
Antes da aplicação
Depois da aplicação
Figura 3: Efeito do cosmético à base de Radical Sponge (RS) em células da pele após exposição ao Sol sem proteção. Na primeira imagem podemos perceber a ação do produto na célula removendo radicais livres de células (em azul). Já a segunda imagem mostra o tratamento de uma mancha no
tecido da pele por conta da exposição ao sol sem proteção.
Fonte: Machiko
Outra aplicação nessa área é o seu uso como transportador de fármacos pelo corpo humano, fazendo com que o seu efeito seja direcionado a um alvo específico. Com isso, é possível que se tenha tratamentos mais eficazes e menos agressivos à saúde. No tratamento do câncer, por exemplo, um fármaco poderia seria transportado pelos fulerenos e seus derivados em segurança pela corrente sanguínea, até as células-alvo, abrindo então uma "porta" no fulereno para que o fármaco fosse liberado, limitando a sua ação destruidora somente a essas células.
Mas como acontece esse transporte?
Fármacos, em geral, são moléculas pequenas que podem atravessar diversas barreiras do nosso corpo, podendo chegar tanto na região alvo quanto em outras regiões “saudáveis”. Por conta disso, surgem os famosos efeitos colaterais ou complicações, que variam de intensidade dependendo do medicamento. Uma das estratégias que já estão sendo utilizadas para diminuir o dano causado ao organismo pelo uso dos fármacos é a adição de sistemas coloidais nanoparticulados, como o fulereno.
Esses fármacos ficam encapsulados em nanopartículas que possuem cerca de 50 a 800 nm; dessa forma, ficam incapazes de atravessar a parede de vasos sanguíneos de regiões sadias do organismo, já que o espaço entre esse tipo de célula varia de 15 a 30 nm, ao contrário de regiões inflamadas desses vasos que necessitam da administração do medicamento. Nessas regiões, as células ficam mais distantes umas das outras, o que permite a entrada e o acúmulo das nanopartículas no tecido do tumor (Figura 4).
Devido à sua excelente biocompatibilidade e biodegradabilidade, além de serem não tóxicas, as nanopartículas de fulereno ainda podem ter sua superfície facilmente alterada de modo a direcionar o nanocarreador até às células cancerígenas, havendo então um direcionamento por um mecanismo ativo das nanopartículas.
Outra possibilidade para o tratamento do câncer são as denominadas nanobombas, que se destinam a destruir tumores em regiões específicas. Essas nanobombas estão sendo estudadas numa parceria entre pesquisadores estadunidenses e brasileiros, da Unifesp - Universidade Federal de São Paulo. De acordo com essa equipe, para transformar o fulereno em uma nanobomba, é necessária a adição de 12 moléculas de ácido nítrico (HNO₃) ao fulereno (C60), criando o nitrofulereno (C60(NO2)12). Para que elas explodam, é necessário o estímulo por calor feito com uma luz infravermelha ou laser: isso garante que o processo possa ser controlado e pontualmente localizado por conta de a nanobomba ser menor que uma célula.
No futuro, esses nanoexplosivos podem ser utilizados para destruir células cancerígenas, substituindo em totalidade os tratamentos químicos por medicamentos, ou sendo uma alternativa a eles.
Além dos fulerenos, outra “bola” vem se destacando no meio científico, são as nanobolhas. Elas se destacam por serem agentes bactericidas com um longo prazo de vida útil e não flutua. Por isso, seu uso para a limpeza de águas poluídas vem crescendo e se mostrando bastante eficiente. Venha saber mais sobra elas em nossa próxima NanoCuriosidade!
Fontes:
BAKRY, Rania; VALLANT, Rainer; NAJAM-UL-HAQ, Muhammad; RAINER, Matthias; SZABO, Zoltan; HUCK, Christian; BONN, Guenther. 2007. Medicinal applications of fullerenes. International journal of nanomedicine. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2676811/pdf/ijn-2-639.pdf. Acesso em: 23 out. 2020.
FERNANDES, Ana Luiza Castro. Nanopartículas de prata, fulerenos e nanotubos de carbono: as interações de nanomateriais com a unidade imunológica cutânea. 2012. 172 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Ciências na área de Saúde Pública - Fiocruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca: Rio de Janeiro, 2012.
INOVAÇÃO Tecnológica. Nanobombas poderão destruir células de câncer. Seção: Nanotecnologia. 19 mar. 2015. Disponível em: www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=nanobombas. Acesso em: 20 out. 2020.
SINDICATO dos Farmacêuticos do Estado da Paraíba. Fulerenos. 2016. Seção Pesquisas/ Área Farmacêutica. 26 out. 2016. Disponível em: https://www.sifep.org.br/news1/pesquisas-area-farmaceutica/270-fulerenos. Acesso em: 19 out. 2020.
VIEIRA, Débora Braga; GAMARRA, Lionel Fernel. Advances in the use of nanocarriers for cancer diagnosis and treatment. Einstein (São Paulo). São Paulo, v. 14, n. 1, p. 99-103, mar. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082016rb3475. Acesso em 27 out. 2020.