Você já pensou em ter vidros autolimpantes na sua casa?
Data: 25 de setembro de 2020
Autores: Maiara Santos Sales, Dayenne Braz Corrêa da Silva, Thatiane Cotias Corrêa Pessoa, Ana Paula Bernardo dos Santos, Lívia Tenório Cerqueira Crespo.
Ilustradoras: Marya Luísa Damasceno Oliveira e Maiara Santos Sales.
Revisora: Lucineide Lima de Paulo
Como assim a água da chuva e a luz do sol podem limpar os vidros?
Isso mesmo! Os avanços na nanotecnologia permitiram o desenvolvimento de materiais diversos que mantêm sua superfície limpa sem que derramemos uma gota de suor. Uma camada de nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2) aplicada durante a fabricação do vidro, promove a autolimpeza trazendo uma durabilidade que só chegará ao fim quando o tempo de vida útil do vidro acabar. Essas nanopartículas, sob efeito da radiação ultravioleta, são capazes de gerar radicais livres, espécies altamente reativas que, ao interagir com as moléculas da sujeira, promovem a sua quebra em moléculas menores. A água também atua na formação desses radicais livres, mas principalmente na remoção das partículas menores de sujeira ao carregá-las de forma que se espalhe sem formar gotas. (Figura 1)
Figura 1: Mecanismo de funcionamento dos vidros autolimpantes:
A luz UV quebras as partículas de sujeira que são
carregadas pela água da chuva.
Fonte: BBC News (2004)
Já nos vidros do carro, essa autolimpeza se dá por meio da aplicação de um produto na sua superfície, conferindo-lhe as mesmas características. Esse produto, que pode ter em sua composição o dióxido de silício (SiO2), é conhecido como “vidro líquido” e age fazendo com que a água passe pelo vidro rolando, ou seja, a sujeira adere a essas gotas redondinhas e é removida da superfície.
Esse mecanismo de autolimpeza não se restringe aos vidros: já existem carros autolimpantes que possuem dióxido de titânio (TiO2) misturado na tinta da lataria.
Figura 2: Vidro do carro sem autolimpeza (esquerda) e vidro do carro com autolimpeza (direita).
Fonte: Windshield Experts (2016)
Uma superfície pode ter grande interação com a água ou nenhuma, tornando-se assim super-hidrofílica, hidrofílica, hidrofóbica e super-hidrofóbica. As superfícies hidrofílicas são caracterizadas por terem uma certa afinidade com água e, por isso, a água fica espalhada sobre ela. Sendo assim, as superfícies super-hidrofílicas interagem mais com a água e fazem com que ela fique ainda mais espalhada e passe por baixo da sujeira, carregando-a – como citado no exemplo dos vidros da casa.
Já as superfícies hidrofóbicas são aquelas que não mantêm interação com a água, chegando até a repeli-la. Isso faz com que a água fique como uma gota nesta superfície. Já as superfícies super-hidrofóbicas, cuja repulsão é mais expressiva, fazem com que a água forme uma gota extremamente esférica, que “rola” com a sujeira para fora da superfície, assim como no vidro do carro.
Figura 4: Representação real de uma superfície super-hidrofílica, super-hidrofóbica e seu mecanismo de limpeza.
a) super-hidrofílica; b) super-hidrofóbica
Fonte: Prospectiva (2006) e Técnico Lisboa (2017) - editado
Na verdade, o mecanismo de autolimpeza de variados materiais destinados à construção civil é o mesmo envolvendo o processo fotocatalítico por meio do dióxido de titânio (TiO2) nanoestruturado. Este óxido possui três estruturas cristalinas chamadas rutilo, broquita e anatase - mas é esta última que apresenta as propriedades citadas. A anatase atua inclusive na decomposição de poluentes atmosféricos em substâncias menos agressivos, como O2, H2O e sais minerais.
O concreto e os revestimentos são outro exemplo de materiais que podem ter características autolimpantes quando contêm, em sua composição, nanopartículas de dióxido de titânio ou de óxido de zinco. Diversas edificações com essa nanotecnologia mantêm sua aparência externa quase que intacta ao longo de anos. A Igreja do Jubileu, em Roma, por exemplo, que começou a ser construída em 1996 e foi finalizada em 2003, faz uso do concreto autolimpante em seu exterior (Figura 5). Com o passar do tempo, pode-se perceber que as placas ganharam um leve tom amarelado, mas mantiveram a aparência original: somente as uniões ficaram mais sujas. Na Figura 6, é possível comparar azulejos com e sem TiO2 em sua superfície.
Figura 5: Igreja do Jubileu, Roma/Itália. a) Após sua conclusão em 2003. b) Em 2014.
Fonte:a) Blogger (2017) .b) Google Street View (2014)
Figura 6: Fachada sujeita aos efeitos da água de escorrência das chuvas. Os azulejos “A” foram
revestidos com TiO2. Os azulejos “B” não sofreram o tratamento com dióxido de titânio.
Fonte: Fujishima (1999)
Outro material autolimpante é a tinta que serve não só para as casas, mas também para parede de hospitais. Assim como nas superfícies já citadas, as nanopartículas de TiO2, SiO2 ou o ZnO fazem parte da composição de tintas autolimpantes tornando possível essa autolimpeza através da água e da luz ultravioleta.
Figura 7: Diferença entre duas superfícies: uma que não usa a tinta autolimpante (esquerda) e outra que usa (direita).
Fonte: Eccolust
Para além dessas aplicações na construção civil, o setor têxtil também conta com materiais autolimpantes. O tecido, quando funcionalizado, pode apresentar esta característica assemelhando-se ao que ocorre na flor de lótus, que quando em contato com água, a mesma a repele devido a interação superfície-água. Dessa forma, a superfície apresenta características super-hidrofóbicas. Isso acontece devido às nanopartículas de TiO2 presentes na superfície do tecido que quebram as substâncias orgânicas ali presentes. Essa propriedade tem sido muito aplicada em superfícies de sofás, roupas esportivas, roupas íntimas (cueca e calcinha), roupas com a finalidade de diminuir suas lavagens. Esse emprego, no caso das roupas, gera mais conforto e praticidade para o dia a dia.
Figura 8: Demonstração de um tecido repelindo um líquido.
Fonte: a) GLETTE (2019); b) Barthlott
A nanotecnologia, como mostramos em todas as nanocuriosidades anteriores, possui vasto campo de aplicação, e com a construção civil não seria diferente. Pode trazer benefícios não só nos acabamentos e detalhes finais da obra (como visto aqui), mas também em sua base e fundação junto ao cimento, como poderá ser visto em nossa próxima nanocuriosidade.
Fontes:
AUSTRIA, G. C. Argamassa autolimpante para revestimentos de fachadas: o efeito das propriedades fotocatalíticas do dióxido de titânio (TiO2). 2015. 174f. Dissertação (Pós-Graduação em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
FUJISHIMA, A., HASHIMOTO, K., WATANABE, T. TiO2 Photocatalysis: Fundamentals and Applications. Tokyo: Bkc, 1999.
GLETTE, Gabriela. Moletom autolimpante já existe e a cada peça vendida outra é doada à pessoas em situação de rua. Hapyness. Seção: Tecnologia. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2019/12/moletom-autolimpante-ja-existe-e-a-cada-peca-vendida-outra-e-doada-a-pessoas-em-situacao-de-rua/. Acesso em: 14 set. 2020.
PARAMÉS, J.; BRITO, J. Materiais de construção nanotecnológicos de auto-limpeza. Teoria e Prática na Engenharia Civil, n. 15, p. 55-62, abr. 2010. Disponível em: http://www.editoradunas.com.br/revistatpec/Art6_N15.pdf.
SIEVERS, N. V. Síntese de nanobastões de TiO2 em substrato de vidro para revestimentos antirreflexo e autolimpantes. 2012. Trabalho de Diplomação (Engenharia Química) - Departamento de Engenharia Química, Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
SILVA, B. M. P. Nano revolução na arquitectura do amanhã. 2014. 268f. Tese (Doutorado em Arquitetura) - Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2014.
SILVA, J. D. C. Estudo de Tintas Autolimpante e Purificadoras. 2013. 109 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia Civil, Universidade do Minho Escola de Engenharia, Braga, 2013