Você sabia que é possível despoluir rios usando bolhas de gás?
Data: 13 de novembro de 2020.
Autores: Jonathan Marques Teles da Silva, José Victor Ferreira da Silva, Pedro Fernando Almeida Lima Iack, Ana Paula Bernardo dos Santos e Lívia Tenório Cerqueira Crespo.
Ilustrador: José Victor Ferreira da Silva.
Revisora: Lucineide Lima de Paulo
Por que Nanobolhas?
Atualmente, estima-se que apenas 6,5% da água dos rios da Mata Atlântica brasileira são de boa qualidade e próprias para o consumo. O restante desse tipo de recurso hídrico revela um cenário preocupante, situando a maioria num estado de qualidade regular (Gráfico 1). Isso acaba por provocar uma falsa impressão positiva, quando, na realidade, a leitura é de um quadro instável. Percebe-se que boa parte da qualidade da água dos rios brasileiros está a ponto de mudar para ruim ou até péssima. Isto ocorre devido à redução de investimento e de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis.
O uso de nanobolhas (NB) surgiu como tentativa de remediar esse problema ambiental. Com dimensão da ordem de 700 a 1000 nanômetros, elas se comportam basicamente como cápsulas que guardam as substâncias que reagirão com a sujeira dos rios, limpando-os. locomoção
Figura 1: Qualidade da água dos rios da Mata Atlântica
Fonte: Agência Brasil
A diferença é que essas minúsculas bolhas estão numa escala cerca de 100 mil vezes menor que uma bolha de gás de um refrigerante. Isto acaba por interferir em propriedades físico-químicas, como o aumento da densidade das bolhas: isso as mantém submersas por meses, permitindo maior tempo de contato com os poluentes. Além disso, o movimento contínuo da corrente de bolhas leva ao acúmulo de energia estática, a qual tem efeito na atração das impurezas, tornando-se significativa para a eficiência de todo processo de limpeza.
Essas minúsculas bolhas são produzidas por meio de bombas, que permitem a mistura de gases e líquidos, sendo geradas por meio de grandes variações de temperatura e pressão (Figura 2).
Figura 2: Bomba
Fonte: Adaptado de SBT Jornalismo
Em ambientes aquáticos, as nanobolhas são preenchidas com gases distintos: umas recebem exclusivamente oxigênio, outras ozônio, e um terceiro grupo é preenchido com ar. Cada uma destas NB tem uma função importante na promoção da limpeza e desinfecção, pois os microorganismos são atraídos eletrostaticamente pelas nanobolhas. Dentro destas, por meio de processos de ozonização e oxidação, os gases são convertidos em radicais livres. Estas espécies são altamente reativas e apresentam efeito tóxico para os microorganismos, danificando sua parede celular e material genético, até que morrem – como ilustrado na figura 3.
Figura 3: Desinfecção de microorganismos por nanobolhas com gás oxigênio e ozônio.
Fonte: Adaptado de CONTRERAS, 2013
As nanobolhas de ar, por sua vez, diferentemente das bolhas comuns, se aglomeram no entorno da sujeira, diminuindo a densidade do conjunto. Isso promove a suspensão do poluente insolúvel até a superfície da água, facilitando a sua extração, processo conhecido como flotação (Figura 4).
Figura 4: Ilustração do processo de flotação de partículas insolúveis por meio de nanobolhas de ar.
Fonte: Adaptado de ROSA; PAIVA; RUBIO, 2017
Mas estes não são os únicos benefícios obtidos pelo uso das nanobolhas. Elas não geram resíduos e, por aumentarem o nível de oxigênio nos rios, melhoram a qualidade da água. Isso se traduz na volta da vida marinha que habitava o local antes da poluição, já que o teor de oxigênio dissolvido na água afeta drasticamente esse cenário. Em 2010, o cientista peruano-japonês Marino Morikawa iniciou um projeto ultilizando nanobolhas para despoluição da lagoa El Cascajo no Peru, que havia sido transformada em um depósito ilegal de lixo. Em apenas 2 meses a lagoa foi despoluída, com animais como peixes e aves retornando 7 meses após o processo.
Figura 5: Imagem da Lagoa El Cascajo (A) poluída e (B) despoluída
Fonte: Adaptado de SAKURA, 2012 e CIENTIFÍCO, 2016
Ciente desses resultados, muitos devem estar se perguntando se uma tecnologia como essa é financeiramente viável, e a resposta é sim. O investimento inicial necessário para a utilização das nanobolhas é bem reduzido se comparado a outros sistemas de filtragem, além de ser um método focado na preservação do meio ambiente em diversos aspectos.
O que mais elas podem fazer?
O oxigênio e o ozônio não são as únicas substâncias que essas bolhas podem carregar. Na verdade, elas são capazes de transportar diversas substâncias diferentes, variando tamanho, propriedades físicas e químicas, e aplicação.
Na área da saúde, por exemplo, as nanobolhas podem ser utilizadas no combate ao câncer. O tratamento envolve a aplicação de nanobolhas de ouro que, quando ativadas por raio laser, produzem miniexplosões dentro das células cancerosas, atuando diretamente nos órgãos afetados sem danificar as células vizinhas.
Na agricultura, sua utilização é extremamente vantajosa, pois permite a oferta de água de irrigação com elevado teor de oxigênio. Isso favorece o desenvolvimento dos vegetais, a inibição de bactérias anaeróbicas, a redução da aplicação de fertilizantes e defensivos agrícolas e diminui o tempo de germinação de sementes, principalmente em cultivos hidropônicos, no qual as raízes ficam mergulhadas em água.
Figura 5: Brócolis e beterraba cultivados com água da torneira (5,5 ppm de oxigênio dissolvido) e água com nanobolhas (20 ppm de oxigênio dissolvido)
Fonte: Adaptado de Hidronano, [2018?]
Na metalurgia, essa tecnologia é utilizada para o desenvolvimento de tintas antirrisco, sendo usada como pintura de automóveis, por exemplo. Essas nanobolhas são preenchidas com tinta e explodem quando a lataria do veículo é riscada. Assim, a tinta contida dentro da bolha repinta imediatamente a superfície afetada. Na mineração, sua principal vantagem está no fato de ser capaz de capturar partículas finas e ultrafinas de cobre e ouro, diminuindo perdas para rejeitos.
Não há dúvidas de que a nanotecnologia pode mudar e facilitar completamente o jeito como preservamos a natureza; entretanto, é importante lembrar que sua utilização pode envolver riscos tanto para o meio ambiente quanto para o ser humano. Quer saber que riscos são esses? Será que são comuns? Venha descobrir na nossa próxima nanocuriosidade!
Fontes:
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